domingo, 10 de maio de 2009

Hamlet em um domingo até que razoável


Chove desde cinco da tarde e eu devia estar satisfeita.Não é o que acontece, pois tem uma festa de criança no prédio ao lado.Torço por domingos com chuva,
mas imaginar um bando de criancinhas socadas num salão fechado, tendo pula-pulas ensopados do lado de fora, tudo por minha culpa, estraga o meu momento.Não
tanto quanto a trilha sonora da festa,que vem violentando meus ouvidos há horas.Então, acho que estamos empatados.Eu e as criancinhas.Posso me deliciar com a
reconfortante sensação de que não há nada mesmo para fazer neste domingo chuvoso, e elas estão perdoadas pelo terrível gosto musical.Quites! Todos com suas
devidas razões para estarem levemente aborrecidos com as coisas.No meu caso específico,aborrecimento não é nem o termo,já que sofro dessa síndrome rara, de
detestar fins de semana.Assim, se começo minha ladainha,dificilmente paro antes de enumerar tudo o que há de insurpotável nos dias.E receio ser tarde demais
para evitar o assunto,agora que já usei adjetivos tão definitivos e rabugentos.Não custa, entretanto, antes, tentar me explicar: não, não sou inspirada pelo
mal estar.Jamais me permitiria ao vão masoquismo de cultivar dores para ser criativa.É claro que eu adoraria estar refestelada em alguma canga,enchendo o
quengo de caipirinha,sem me importar se a música que preenche os espaçosentre os corpos besuntados de protetor solar é vulgar, ou estimula ritmos que
balançam panças e bundas frouxas, sexualizando o que há de menos sensual no mundo.Seria muito mais fácil lidar com o meu tédio natural domingueiro,caso
conseguisse me agrupar em churrascos, eu sei.Mas se eu seria,dessa forma, mais ou menos feliz, não sei.Tornar-me um organismo que se adapta, tipo o que
comemora gols em bares,faria de mim alguem que prefere domingos ensolarados? Seria eu mais feliz se não fosse a que sou,virando adepta do coletivo festivo?
Haveria menos infelicidade,em mim,se eu não percebesse as injúrias cometidas, ou as traições dos interesseiros, e tudo o que o tempo traz de doloroso?Será que, para escapar da dor,devo logo abraçar a euforia da simples alegria de viver, e sair cantando refrões tolos pela própria felicidade da tolice?
Não, obrigada.Prefiro o tédio total ao conformismo preguiçoso da solução pelo coletivo.Prefiro nunca mais ir a festas do que me embriagar da burrice que
alivia.Mil vezes carregar na alma esse vazio,do que tentar moldar situações, e pessoas idiotas, que caibam,por tempo limitado, nesse espaço vago.Que todos
têm de nascença, ninguém escapa, pois, ora bolas, o que dói mesmo é ser sozinho no mundo, e isso é o que todos somos.
Porque amo tanto meu país, e minha lingua, é que me assusto com a capacidade de nos desviarmos do que é premente.Muita alegria escancarada nessas bocas,
sabe? Alguem mais se incomoda com isso, além de mim? Hein? É muito triste sentir-se espírito de porco, em meio a um exército de contentes.Por exemplo,essas
pessoas que fazem dos seus ciclos de separações e casamentos notícias que impulsionam trabalho.Não pode.A não ser, claro, que seu trabalho seja se casar e se
separar.Uma restrição de ordem da estética, não ética.É simplesmente feio ficar anunciando o encontro de almas "gemêas" que dura menos que uma novela.Não é
legal com aqueles que ainda acreditam nessas máximas românticas.Com os humanos normais, que sofrem os términos das relações e se deparam com a facilidade com
que nossas "celebridades" curam suas feridas.Mais uma vez,penso: Será que eu só reparo nisso? Gente estou até hoje tentando me recuperar do fim do meu
primeiro namoro.E esse povo bronzeado e feliz já está, pela centésima vez, anunciando ter encontrado o verdadeiro amor na orla da praia! Sério: o problema é
comigo? Só eu que não sei jogar frescobol neste país? Só eu estou atordoada por tentar educar crianças honestas, numa cultura que premia o oposto?. Enfim, e
se me fosse ofertada a chance de nao sofrer qualquer dor, aliviando os conflitos que a vida me trouxe, os amores que me largaram e deixaram marcas tatuadas
na alma, e consequente solução para esse tal buraco feito no meu peito? Antes de aceitar, hesitaria, como umHamlet desajeitado: caso seja através da lâmina
fria de um punhal, OK, mas se for pra ficar anestesiada em meio ao coro dos contentes histéricos,jamais.


É preciso dor para ser feliz sem ser idiota.


Fernanda Young

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